quarta-feira, 10 de julho de 2024

PEQUENO CONTO que escrevi. Parte integrante de um livro em processo de edição. OBRIGADO PELA SUA VISITA e leitura.

 

A VOLTA DO SUPERMAN

 

No futuro, num dia qualquer não muito distante quando eu estiver lá pela casa do centenário, morando numa casa de repouso dos jovens roqueiros de outrora,  após terminar meus costumeiros exames de rotina serei encaminhado para a sala de espera da enfermaria alí existente, onde deverei aguardar os resultados, relatando o que ainda sobrou da minha saúde neste momento.

Após acender um dos meus cigarros ilegais escondido da enfermeira, me aparece o Capitão Thiago, um velho amigo na casa dos seus setenta anos, quase careca, com boa saúde, mas já não tão esbelto como no auge da sua juventude.

-P*rr@ Zéca!!!! De novo você esperou a enfermeira sair para acender o cigarro!!! Você tem que parar com isso aí.

-Tem razão, Capitão. Mas vou esperar o resultado médico para não fumar mais, até lá, dá para terminar esse cigarro aqui.

-Não, Zéca. Você tem que parar mesmo.

-Vou parar quando morrer, Capitão. Até lá vou diminuindo. Olha que quando eu tinha a tua idade eu fumava bem menos do que eu fumo hoje, então até houve um certo avanço na minha situação.

Nós dois rimos da piada medíocre até por não termos muito mais o que fazer a não ser verificar as novidades nos celular, jogar conversa fora falando mal dos políticos ou relembrando o passado.

-E aí Zéca? Tá escrevendo alguma coisa nova?

-Escrevendo sempre tou, mas agora muito menos porque tudo dói.

“Até para escrever, então eu tenho que gravar no áudio e passar para a inteligência artificial editar de uma maneira que as minhas idéias confusas façam algum  sentido.”

-E está dando certo?

-A minha parte eu faço, Thiagão. Com muito esforço, mas aí vêm a censura e não permite a publicação de nada, porquê as minhas idéias estão velhas e o povo hoje não precisa perder tempo com esse tipo de inutilidade...

-Aí o serviço acaba engavetado?

-Acaba engavetado, Thiagão. A minha sorte é que me sobrou uma grana de alguns trabalhos que eu fiz lá atras e “male-male” seguram a minha aposentadoria e este monte de exames que sou obrigado a fazer.

-Os trabalhos que você fala são da época da PILULA do SUCESSO, Zéca? Naquele tempo os roteiros que você escreviam eram garantia de sucesso...

-Exato. O que o governo não me comeu com impostos ainda está lá...

-Cara como eu gostava daquele seriado a PILULA do SUCESSO...

-Rendeu um bom dinheirinho, Thiagão... Deu para o gasto.

-E teve um monte de temporadas. Muita gente ainda acha que se voltasse hoje, seria um sucesso.

-Pode ser... O mote de uma pílula do sucesso a cada episódio, sendo dada para alguém realizar qualquer desejo ou sonho pessoal, pode ainda ser explorada numa infinidade de variantes.

-Eu vi todos os episódios, Zéca. Fiz um monte de programas lá no meu canal de youtube comentando tudo. O pessoal ainda hoje gosta muito dessa série.

-E qual foi seu episódio favorito, Thiagão?

-O do cara que realizou o sonho de viver com a estrela de cinema com que sonhava desde a infância, aí, depois que viu como a vida de artista é difícil, tornou-se empresário de renome ajudando um monte de outras pessoas do ramo obter trabalho, nos tempos de crise, terminando ele como o herói dela.

-Aquela história foi boa, mas pena que o cara morreu no fim...

-E você Zéca... Qual foi o episódio que você mais gostou?

-O que eu ainda não escrevi...

-Ah! Mas essa resposta é padrão, Zéca... Prá cima de mim?

-Pior é que é mesmo, Thiagão. Tou com um monte de trabalho lá para publicar, mas esta censura do estado social democrático, não deixa nem a gente pensar direito.

“É só lavagem cerebral para nos educar, repasto na comida e alta cobrança de impostos.”

“Não sei nem como consegui viver tanto desse jeito.”

“O que me deixa preocupado é o futuro destino das gerações mais jovens como a tua.”

“Vocês são de borracha ainda, mas, o Estado quer acabar com os mais velhos e deixar só a moçada sem memória ou conhecimento suficiente.”

“Daí, meu capitão, minha expectativa fica mesmo nos trabalhos que ainda não saíram. Aqui do alto do meu centenário, tenho que olhar para frente... O máximo que a vista aguenta...”

-P*rra, Zéca... Eu sempre pensei muito naquela série.

“Sempre imaginava as situações que eu me enfiaria se uma pílula daquela aparecesse na minha frente.”

-E o que faria se conseguisse uma pílula do sucesso, Thiagão...

-Eu ia me transformar no Superman.

-Mas você já é o Superman, Thiagão. Quando você veste o uniforme do Azulão e vai nos eventos de cosplay e principalmente nas instituições de caridade prestar serviços voluntários não remunerados de assistencialismo para os necessitados, você se transforma no meu Superman favorito, cara.

-Valeu Zéca mas eu sou só um homem comum.

“Eu gostaria mesmo de ser o Superman de verdade...”

“Ajudar o mundo fazendo o bem, assim como faria o original kriptoniano.”

-O Superman original kriptoniano é um dos meus heróis favoritos também, Thiagão, justamente porquê, eu mesmo, no lugar dele, se tivesse tanto poder, ia fazer muita asneira, tentando corrigir o mundo ao meu modo, que, certamente não seria o mais correto e tudo acabaria numa ditadura comunista de m3#d@, ainda pior do que a que temos hoje.

-O Superman precisa voltar Zéca.

“Acabaram com ele, que ficou esquecido e nem nos gibis é lançado mais.”

-Ele simboliza virtude, Thiagão. O Azulão é dos nossos. Ele representa a virilidade em prol de algo BOM e melhor para a COLETIVIDADE MUNDIAL, mesmo que invisível ainda aos olhos da multidão ignorante.

“Daí sumiram das mídias censuradas, com todas as referencias dele, sendo que hoje nada mais se publica ou divulga a seu respeito e...”

Não consegui interromper meu raciocínio, até por não imaginar para onde este me levaria, e ainda porquê a enfermeira chegou para me levar até outra sala onde me colocou sentado diante de uma mesa.

Em seguida saiu me deixando aguardando alí sozinho sabe-se lá o quê.

A demora foi curta e logo chegou um conhecido.

Não era parente nem médico, mas sim, um dos meus personagens fictícios das histórias que escrevi.

O MR. PILL.

 

***

 

MR. PILL não é um tipo qualquer. Na verdade, ele o protagonista da série A PILULA DO SUCESSO.

É ele quem dá ao personagem principal de cada episódio a pílula capaz de realizar qualquer desejo ou sonho, por mais absurdo e impossível que este possa parecer.

Sim, era ele próprio.

Sua roupa característica, com paletó de veludo acinzentado, calça, camisa e chapéu Fedora, na cor preta e ainda o característico óculos escuros de sol, não deixavam dúvidas até pela aura pairando agora no ambiente daquele ser mesmo o MR. PILL que, quando surgia, deixava tudo no seu entorno, muito estranho.

-Você sabe porquê estou aqui... – Disse ele sentando-se na cadeira alí disponível.

-Não. Não sei. Já não consigo lembrar de muita coisa.

-Você atendeu as premissas...

-Premissas? Quais?

-As exigidas para poder obter a recompensa...

-Não me lembro direito de quais eram, aliás, pelos poucos neurônios que no meu cérebro restam intactos, falta-me a certeza em recordar claramente, quais seriam as condições requeridas para que alguém pudesse obter a pilúla.

“Ao que me parece, nem mesmo os roteiristas, apesar do sucesso da série, não chegaram a um consenso sobre o assunto.”

-Sim, meu caro, mas você obteve a recompensa merecida. Ei-la!

Dito isso, Mr. Pill colocou sobre a mesa a famosa Pilula do Suceso, em seguida,  levantou-se da cadeira onde estivera sentado, saudou-me erguendo o chapéu e saiu.

-Seja feliz. – Disse ele repetindo as mesmas palavras de sempre em cada episódio, quando deixava para trás o personagem principal do momento viver as consequências de ter os próprios desejos/sonhos atendidos, que, poderiam ser das mais diversas ordens, desde uma vida realizada repleta de êxitos, até a eventual sucessão interminável de erros e pesadelos no seu destino.

Bastaria escrever num papel tudo o que eu pretendesse realizar, guardando dobrada aquela vontade no bolso, em  seguida, tenho de ingerir a pílula aguardando as devidas consequências de tal ação.

Só isso.

Naquela situação, o que fazer da vida, dalí por diante?

Estava diante de um leque esférico de opções com alcance infinito capaz de me levar a tempos presentes passados, futuros, ou imaginários, e, tudo o que me ocorreu na hora, foi aproveitar o momento para fumar outro cigarro, já que a enfermeira ainda não estava por perto.

Só depois de acesa a chama da sabedoria, foi então que as ideias pareceram um pouco mais claras.

Do jeito que a minha vida era açoitada 24/7 implacavelmente pelo chicote pesado da Lei de Murphy, certamente, o que poderia ser uma dádiva para qualquer ser humano normal, no meu caso específico, tornar-se-ia uma sucessão infernal de erros que me deixaria ainda mais frustrado e nervoso com os problemas cotidianos.

Assim como não haviam limitações para a realização de qualquer pedido escrito na folha de papel, poderiam também, não existir restrições evitando prováveis desgraças decorrentes destas vontades.

Estava num dilema tão grande quanto ao que pedir, que, imaginei até que, se simplesmente rogasse por mais saúde, o governo, em decorrência disso certamente retiraria de mim, os benefícios de aposentadoria já conquistados como pagamento de pensão, tratamentos de saúde  e medicações.

O que fazer?

Eu não pedi por nada disso.

Talvez fosse até a vida me homenageando por alguma boa ação fajuta que eu tivesse realizado num passado improvável, mas certamente, deveria mesmo ser uma pegadinha do Destino querendo aplicar alguma peça.

Mas talvez não fosse...

Eu poderia guardar essa dádiva e levar o resto da vida sem nunca me preocupar com o ajuda de tal tipo de muleta no meu sucesso.

OPA! Desculpe te interromper, mas é que eu lembrei que este roteiro do personagem principal não utilizar a pílula, já foi desenvolvido anteriormente na série.

Daí, minha criatividade ainda pouco ativa sugeriu que eu também poderia seguir por uma outra linha... A de passar a batata quente para alguém arriscar a própria sorte.

Sim... Não era uma má idéia.

Mesmo sofrendo todo dia, não podia reclamar da vida que levava.

Cheia de contratempos, tropeços, cabeçadas, maus resultados do Corinthians, contas para pagar, políticos filhos de uma p*ta, assim como o cachaceiro ladrão filho de uma suruba...

Ainda assim, continuo protestando, mesmo não me  achando no direito de fazer mais demandas além das  que já rotineira e insistentemente faço, afinal, o próprio Destino proveu algumas poucas condições para meus desafios que, não deu para a maioria, enfrentar agruras muito maiores que as minhas.

Deste modo, faço questão de continuar assim: um velho chato e reclamão.

Se eu tomar a PILULA do SUCESSO, meus problemas acabam e não terei mais do que protestar...

Meu tempo neste mundo já está para acabar e eu não preciso de muito mais do que já obtive.

Já, a coletividade que me cerca, precisa de gente melhor que eu...

Alguém cheio de boas intenções, que ajude as crianças e os necessitados guiando o mundo para um caminho melhor.

Com algum esforço subi as escadas e passei pelo quarto onde dormia o Thiagão.

Dalí, saia um ronco ensurdecedor, que mais parecia o motor de caminhão funcionando a plena potencia sendo periodicamente interrompido pelo chiado de um hipotético turbocompressor acionado.

Era o Capitão roncando.

Entrei no quarto e coloquei a pílula sobre o criado mudo, ao lado da cama do Thiagão, saí dalí, e fui para o meu dormitório onde praticamente desmaiei de canseira no meu próprio acolchoado fedorento, agora, com a consciência tranquila.

De fato, esse tipo de plot não havia sido tentado em nenhum roteiro anterior da serie a PILULA do SUCESSO.

 

***

Acordei com a bexiga exigindo que eu fosse esvaziá-la.

Quase tropeçando fui para o banheiro cumprir com esta obrigação e, só então, longo tempo depois de termina-la, comecei a ficar menos atordoado.

Tomei meia latinha do meu energético favorito que ainda continuava formando campeões na F1 e já fui pra fora de casa ver o sol raiar.

Sentei num banco de madeira no jardim acendi meu primeiro cigarro do dia, antes da enfermeira chegar e fiquei assistindo a natureza seguir com seu trabalho iluminando a manhã.

Eis que então, ouço gritos:

-O que é aquilo?

-É um pássaro?

-Um foguete?

-Um avião?

-Não! É o Superman. Ele voltou.

Na minha cabeça, até escutei a velha e batida musiquinha dos filmes do meu sempre queridíssimo Azulão.

As pessoas gritavam em regozijo enquanto eu emocionado, dava no cigarro tragadas cada vez mais fortes consciente do raro acerto de uma decisão minha; o  mundo precisa da volta de um SUPERMAN, e eu quero continuar reclamando, até porquê...

Você quer mesmo saber?

Minhas afinidades são maiores e gosto muito mais do BATMAN.

 

***

 

HISTORIA DEDICADA AO BATMAN QUE ESTE ANO de 2024 faz 85 anos!

 

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MORAL DA HISTÓRIA: NEM TODO IDOSO se ilude em reviver a juventude perdida, contentando-se apenas em evitar maiores problemas na velhice.

 

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